domingo, 26 de setembro de 2010

Pingos

Não se importunem com a comida, com o trabalho, com o dinheiro, com o amor, com a sabedoria. Tudo tem o seu tempo certo, tudo vem em tempo certo, como vem o nascimento, a morte.
Não se preocupem com estas migalhas que se chamam as necessidades da vida, da morte.
Não se preocupem com a lucidez, com a escuridão.
Não se preocupem com o sono, ou de serem despertados.
E não se preocupem com a sede e a fome.
Não se preocupem com os filhos.
A terra é forte e os alimenta.
Não se preocupem com as mulheres. Elas procuram o amor e nunca faltarão.
Não se preocupem com o dinheiro. Se ele faltar, não se preocupem, ele está no bolso dos outros.
E não se preocupem com os outros, nem se preocupem convosco.
E se conseguirem tudo isto, não se preocupem, sereis felizes.
E não se preocupem com Deus, ele está sempre convosco.
E não se preocupem com o diabo, ele é a chama ardente de Deus.
E não se preocupem com a fogueira. Ela só arde, mas não queima.
E não se preocupem com a fala do povo. Ela só fala de si mesma.
E não se preocupem com a inflação, ela só afirma que o objeto e o sujeito, tem um valor relativo, o VALER NADA.
Não se importunem com o VALER TUDO, expressando o NADA.
Não se preocupem com a dor, ela é um sinal de vida.
Mas preocupem-se se nada doer mais.
É um sinal que estais morto.
Daí por diante, sejam as suas antíteses.
E não se preocupem.
Não preocupem a preocupação, não!
O incerto é a certeza.
Não se preocupem. Se despreocupem.



[Walter Smetak - 1976 - Livro: Caossonância]

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Um pouco de história...

O Alquimista dos Sons. Nascido em Zurique, Suíça, em 13 de fevereiro de 1913, Walter Smetak, o músico suíço-baiano que revolucionou a pesquisa sobre os microtons no Brasil, até hoje mantém viva a sua obra através da memória de um trabalho curioso e instigante sobre o som, o silêncio e o espírito: as plásticas sonoras.
Quando veio para o Brasil, primeiro chegou a Porto Alegre, em 8 de fevereiro de 1937, onde trabalhou nas rádios Farroupilha e Sociedade Gaúcha, em orquestras, além integrar o Trio Schubert e ensinar violoncelo no Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul. Em 1941, mudou para o Rio de Janeiro, quando foi contratado pela Orquestra Sinfônica Brasileira e, em paralelo, atuou nas rádios Nacional, Tupi, Guanabara e Teatro Municipal. Depois morou em São Paulo, onde trabalhou no Teatro Municipal e nas rádios Record, Bandeirantes e Sumaré.
Mas foi em Salvador, na Bahia, que tudo aconteceu. O imaginário de vanguarda que povoava a cidade na época – também exportado para outros estados através do trabalho de músicos como Gilberto Gil e Caetano Veloso – abriu as portas para rupturas com padrões e estereótipos na arte. A convite do então reitor Edgard Santos, grandes músicos europeus foram selecionados especialmente para compor o quadro docente dos Seminários Livres de Música, futura Escola de Música da Universidade Federal da Bahia. Entre eles estavam Hans-Joachim Koellreutter, Ernst Widmer e Walter Smetak, que chegou em 1958 como professor de violoncelo e também spalla da orquestra. Apesar de guardar no currículo uma formação musical tradicional obtida em escolas europeias de referência, Smetak abandonou a música erudita e direcionou seu trabalho para o experimentalismo.
Nesse contexto de fertilidade cultural, Smetak passou a explorar o potencial sonoro dos materiais mais inusitados, construindo instrumentos a partir de cabaças, mangueiras, cordas, cravelhas, pedaços de madeira e o que mais conviesse.

 
Até lá!

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Entrevistas em São Paulo rendem informações preciosas sobre Walter Smetak

Entre os dias 2 e 5 deste mês estive em São Paulo entrevistando alguns amigos de Walter Smetak. Além de compilar novas informações, o objetivo também foi conhecer essas pessoas que conviveram muito próximas dele, e sentir esse mundo de perto. Os resultados não poderiam ter sido melhores e as informações foram maravilhosas.

Logo na quinta-feira à tarde me encontrei com o grande artista plástico italiano Eduardo Catinari. Na sua própria residência, no bairro do Sumaré, calorosamente fui recebida por um homem de alma e coração nobres. Durante a entrevista, conversas sobre espiritualidade, esoterismo, disco voadores, além da recordação de diversos momentos de companheirismo divididos entre ele e Walter Smetak. Também tive acesso às cartas que ambos trocavam, fotos e diversas informações valiosas. A impressão que ficou foi de uma relação pura e de irmandade. Ainda estendemos nossa conversa na padaria Real, logo na esquina da Rua Alfonso Bovero, com um cafezinho e um bate-papo muito agradável.



Na sexta-feira, mais dois encontros. Primeiro visitei a residência de Wilson Sukorski, em Vila Mariana. Na sala, instrumentos criados por ele próprio pendurados na parede e apoiados no chão. Os sons remeteram aos que podem semelhantemente ser obtidos pelas criações de Smetak. Até ousei tocar o Totem Baixo, um instrumento de madeira, cordas e molas de aproximadamente dois metros de altura. Durante a entrevista, Sukorski relembrou sua estadia na Bahia e os dias que dedicou ao aprendizado com Walter Smetak tanto em sua residência quanto no atelier da Escola de Música da UFBA.



Saí da Vila Mariana e retornei ao Sumaré para uma conversa com Thomas Gruetzmacher, mas antes me encontrei novamente com Catinari para pegar emprestadas algumas cartas e fotografias que ele havia guardado da época em que Smetak era vivo. Já na casa de Thomas, também considerado um "filho de Smetak" pela afinidade que tiveram durante os anos que conviveram na Escola de Música, uma aula sobre escala temperada e sobre as divisões dos microtons foi dada no teclado dele. Também falamos sobre a "nova música" e o "novo mental", dois termos que conjugados refletem toda a intenção da obra do Alquimista dos Sons. Aproveitei para tirar uma cópia de gravações inéditas que ele guardava, além de digitalizar o material cedido por Eduardo Catinari.

Detalhes sobre as informações que consegui? Essas ficam para o livro.